domingo, 30 de setembro de 2012

Um teatro, uma vida, uma escolha

   Pela segunda vez estive em um palco me apresentando para muitas pessoas. Com a criação do projeto Pérola Cultural, em minha escola um ano antes, os aprendizados de dança, música (coral), flauta e teatro foram reunidos em um espetáculo detalhadamente planejado. Ano passado, pela primeira vez, me apresentei. A emoção em decorar algumas falas, em apresentar tudo isso para um público bem maior que o imaginado e ainda por cima, aguentando o "frio na barriga". Foi difícil, um período de conquistas, de sonhos, de felicidade. Cada passo dado ao sair do palco deixava-me mais próximo do teatro. Não era somente divertido, era imensamente maravilhoso.
   Um ano se passou e meu gosto pelo teatro só aumentou. Poder me expressar artisticamente e de uma forma tão natural, tão viva e especial. O teatro acabara de aderir à minha vida, mas antes de me convencer, era preciso uma última prova de que dele eu nunca mais ousaria me separar. 
   Comecei, no início deste ano, a frequentar as aulas de teatro da escola. Junta à turma, os jogos teatrais e os diversos exercícios cênicos eram protagonizados por nós: jovens. A turma era pequena, seis alunos. Eu e mais cinco meninas. Sem contar um pessoal de outras idades e anos compondo outros grupos. Em plena véspera de férias ficamos sabendo da certeza de enfrentarmos mais uma vez o palco. Num espetáculo intitulado "Era uma vez...". As férias passaram e, com personagens e falas em mãos, restou-nos estudar o texto, ensaiar e ensaiar novamente. Foi preciso manter a concentração e dedicação para tornar-se possível uma boa apresentação. Claro, não faltaram ensaios para marcar saídas e entradas com as outras turmas da escola. Mesmo assim, o tempo parecia curto. Muito curto.
   Chegara o dia da apresentação. Com as cenas prontas e devidamente ensaiadas, só restava-nos agradecer pela ótima oportunidade. Eu e as cinco meninas retomávamos o texto a cada dois minutos, para aperfeiçoá-lo cada vez mais. E com isso o tempo foi passando, chegamos no teatro e ficamos na espera do início do espetáculo. Tudo mudou, o "jogo" acabava de se inverter.
   Foram minutos extremamente angustiantes. As falas pareciam fugir de nossas cabeças e, por mais incrível que pareça, eu não tinha o medo do ano anterior. Mas elas, minhas companheiras novatas o tinham, e muito.    Eram constantes as perguntas como: "será que vou conseguir?", "será que vou esquecer, ficar envergonhada em frente aos vários conhecidos?" "será que terei coragem?". Difícil era responder. Mas, aos poucos, nós seis nos unimos, com pensamentos positivos, rituais e coisa e tal. Agradecimentos e pregações do tipo: "inspirar a luz e soltar a tensão". Sem contar os famosos "Merdas" tão ditos, e tão bons. E não há controversas. Via nos olhos delas o desespero de "primeira viagem". O nervosismo tão presente em todas, até nas que pareciam mais preparadas. Elas tremiam, nervosas, ansiosas, preocupadas. Como já havia passado pelo mesmo um ano antes, tentava confortá-las, mas quê sabia eu sobre isso, afinal era apenas minha segunda peça. Mesmo assim, fique forte, aguentei a pressão, pois percebi que, naquele momento, enquanto o professor também se preparava e ajudava outros nos camarins, eu tornava-me parâmetro pra elas. Parâmetro de confiança e controle que, mesmo não estando assim, era preciso manter a "pose", para que não se sentissem desapoiadas. Era difícil pra mim e pra elas. Mas, tentei presenteá-las com a segurança e a fala de que tudo daria certo, que era mais fácil do que parecia, e que bastava concentrar-se e incorporar o personagem, sabendo o momento certo de um improviso, caso preciso. A nossa cena era a segunda, e a cada segundo que a antecedia deixávamos nervosos ao extremo. Os lances de luz, as mudanças de cor em nossas faces representavam o tempo, que passava muito rapidamente. O momento tão esperado acabava de chegar.
   Sete segundos de uma música serviriam como sete mandamentos para nós. Era preciso nos preparar para encarar o palco, o público, os amigos. 1seg. e o coração começava a acelerar e o batimento era mais rápido e tudo passava em nossa cabeça, assim como os próximos 4 segundos e todo o texto já decorado queria desaparecer e ficávamos ofegantes e esquecíamos de vírgulas e de frases e de textos e da tão querida gramática que não permite tantos "e`s". Respirávamos e nos dois próximos segundos a consciência nos faltou. O ar sumiu. O cheiro era de palavra, de cena, de luz. A temperatura aumentava. O racional era substituído pelo irracional. O corpo estava ligado no automático, o pensamento em câmera lenta, as mais de trezentas pessoas eram como vultos que nos esperavam junto à "luz do fim do túnel". Entramos no palco e, com o foco em nossas cabeças, começamos a cena, encaramos o público, engolimos o medo, respiramos a arte, a vida. Terminamos, saímos do palco, e a cada aplauso, a consciência era retomada. Tínhamos a certeza, então, que tudo dera certo. Corremos de encontro uns aos outro e, com um abraço comunitário, confirmamos o que foi tão dito: que ocorreria tudo bem. Rimos abraçados e agradecemos pelo momento, pela oportunidade, pelo "friozinho na barriga", pelo teatro existir, pela arte existir, por aguentarmos tudo aquilo juntos e por sermos parceiros teatrais. A cada nova entrada e retirada dos palcos nos encontrávamos e parabenizávamos uns aos outros.
   Um tempo depois a peça terminou, nos despedimos, fomos encontrar outros amigos que nos apreciaram. E eu acabara de conseguir a última prova de que falei. A minha vida era o teatro, ele tinha enorme importância pra mim. E como retomada de consciência, numa epifania momentânea, lembrei-me de uma querida amiga, professora, que muito me influenciou no gosto pela arte, no amor pelo teatro. Ela, minha professora de teatro até a sétima série, lá no sul, a Joanna. Como a agradeço! Por um momento percebi que o teatro era mais importante para mim do que o imaginado. E que se eu aceitar essa jornada, será mais difícil e íngreme do que o pensado, porém será feliz, divertida, artística, do modo que gosto, podendo me expressar pelo teatro e viver por ele se possível.

   A decisão é difícil, ainda não foi tomada, mas é com essas palavras que tento explicar o que senti quando, sobre isso, pensei!!!




   

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Nice e a vida - Capítulo II - Parte um


II. O início de um encontro



Eu recentemente havia me mudado para aquela cidade. Depois da morte de meu pai, eu e minha mãe não tivemos outra opção. Ela foi á procura de um emprego e eu de dar continuidade ao último ano de minha formação estudantil antes da faculdade. Foram tempos muito difíceis. Ao encontrar emprego, minha mãe tornou-se ainda menos presente e eu passava mais tempo na escola, do que em minha própria casa. Era tudo diferente pra mim, novos amigos, nova turma, nova escola. E em meio ao caos só não pude deixar de notar um garoto um tanto quanto diferente. Nunca tinha falado com ele diretamente. Muito menos lembrava seu nome. Aí que mais me culpo.
Cada dia que se passava minha curiosidade em descobrir quem era este garoto só aumentava. Mas evitei me aproximar, não queria que ninguém percebesse, ou que isso, de alguma forma, pudesse fazê-lo se afastar. Durante muito tempo o segui. Só que de nada adiantou, ele mudou de escola e temi que a culpa disso fosse minha. Para completar, minha vida já estava muito turbulenta. Com minha mãe doente nada me adiantou fazer. Foi o mesmo que esperar sentado o recibo de morte confirmada. A doença já estava grave e os recursos para o tratamento eram razoavelmente escassos. Ela morreu. E as lágrimas despejadas serviram simplesmente para confirmar o preço do túmulo. Eu estava sozinha novamente, como nos longos períodos que passava na escola. Sozinha, deveria trilhar meus caminhos em busca de um rumo para minha vida. O turbilhão já havia sumido. E o garoto também.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Nice e a vida - Capítulo I - Parte três


Passaram-se horas e eu, com eles, esqueci-me dele. Momentaneamente.
Sim, era outro dia e eu acabava de acordar em meu famoso quartel. Meu quarto querido. Sem me esquecer dele. E morrendo de vontade de encontrá-lo. E fui.
Por sorte, estava na casa. Na mesma casa onde me olhavam ontem. E era ele. Ele que me olhou fixamente. Só que o nervosismo não me tinha deixado perceber. Como pude esquecer de meu querido Poeta tão amado? E pensar que ele me deixou só, naquele corredor, dizendo “Preciso retomar minhas escritas alucinadas, afinal, você sabe por que estou aqui. Seguirei meu caminho e você prometerá não me ir atrás. Tenho a leve impressão de que me perseguem e me procuram, estou com medo e não devo deixar minhas escritas, minhas reflexões de um poeta mal amado, correndo perigo. Não me siga ou me espere nunca mais.”. Correr atrás dele poderia ter mudado minha vida. Mas não o fiz. Havia prometido. Recolhi-me os cacos, como já lhes disse, e fugi. Se é que posso fugir, afinal já estava sozinha e nada e ninguém me perseguia. Imagino.
Sei como tudo deve estar confuso para você. Por isso, falarei sobre mim e sobre ele, o Poeta inatingível.

Continua na próxima semana...

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Nice e a vida - Capítulo I - Parte dois


Andando um pouco mais, passei pela biblioteca que durante muito tempo frequentei. Antes de conhecê-lo. Lá, os livros eram como as âncoras dos navios, impedindo-me de sair sem terminá-los, de sair ao caos e afogar-me nas grotescas ondas de um mar profundo. E foi o que fiz. Afoguei-me. Mas, nos livros. O cheiro da página virada dava-me fome, fome de lê-lo e relê-lo e relê-lo. Lá, cada estrofe era uma vida que se renovava, uma parte do livro que se acoplava em meu mundo, junto às ideias mirabolantes de ser uma leitora, escritora e amante fiel dos livros. Corri.
Por um instante pensei ter feito a coisa certa, mas de certo só o errado acerto. A chuva continuava e meu cabelo, já ensopado, não tinha mais forma. Continuei caminhando para então, parar e lembrar-me de mais uma das entranhas de minha vida, minha vida cruel. Lembrei-me dos tempos em que estudei naquela escola. Das brincadeiras escassas de maldade, cheias de prazer, dos amigos, professores, dos cantos e recantos, das vidas lá vividas e de cada peça do meu quebra-cabeça vital lá reconstruída. O portão, lembrava-me dos sonhos que lá tive e que lá ficaram guardados, vigiados pelo cadeado que o trancava.
Mas me deixem ir. Lembranças fazem-me escorrer lágrimas. E continuei a correr. Correndo na chuva. Se é que choveu, pois corri boa parte do percurso desperdiçando lágrimas. Inesgotável. A cada passo, as lembranças dos nossos momentos juntos não me saíam da cabeça. Eu me arrependia mais, e mais e mais de ter corrido quando passava em frente a sua casa. Mas como falei, foi minha já esgotada coragem, que sumiu sem deixar rastros. Continuei andando até encontrar uns amigos e assim, me recompor.


Continua na próxima semana...


terça-feira, 4 de setembro de 2012

Nice e a vida - Capítulo I - Parte um


I. Á procura dele



            E pensar que correr por aquele corredor poderia ter mudado minha vida. Não. Já foi. Já passou. E o que sinto, não faz mais diferença agora. Ele saiu, me deixou e só resta recolher-me os cacos e fugir.
            Assim me senti no primeiro dia. Quando nos aproximamos, não sabia mais como construir meu mundo. Se recolhia os cacos, ou reconstruía com novos materiais. Essa foi a dúvida.
            Então, saí correndo e cá estou, neste beco (se é que posso chamar quarto de beco, afinal é onde me recolho nas fraquezas e virtudes) sozinha. Não sei o por quê? Nem como isto aconteceu. Mas vou começar do próprio começo. Se é que me permitem tal falta de comprometimento com ela, a culta norma.

            Aos poucos me preparava para o momento. O momento certo daquilo.
Passei pela casa dele logo de manhã, junto à translúcida chuva matutina. Onde cada pequena gota escorregava pelo ar não tão poluído, como o diamante a escorrer do olhar. A meu ver, a casa estava escurecida, a treva haveria passado por ali também, como em toda casa onde se deixa sonhar livremente e pelo tempo que for preciso. Não percebi que dali olhavam-me. E nem como isto mexeu com minha vida, quebrando o cristal mais precioso, a coragem, e deixando-me na dúvida. De ir ou não ir. Voltar ou não voltar. Ou como diz Hamlet: “Ser ou não ser”. Tal dúvida não me deixava consolar aos pensamentos.



Continua na próxima semana...