quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Nice e a vida - Capítulo IV - Parte 2

...


Imaginei ser outro dia quando acordei e vi uma garrafa de água jogada ao meu lado. Estranha essa preocupação comigo, mas de alguma maneira queriam-me viva. Pelo que parecia, a garrafa estava lacrada e mesmo se não estivesse eu teria que tomar, estava morrendo de sede. Tomei e nada me aconteceu. Estava quente ali e senti um vento mais fresco quando abriram repentinamente a porta pela qual passaram ontem. O mesmo homem que sentara na cadeira puxou-me para que eu levantasse e fosse com ele. Era impossível revidar e cedi facilmente. Saímos da sala. Percorremos um enorme e escuro corredor cujas outras portas estavam fechadas e não consegui reparar em nada. Somente no chão sujo, nas muitas lâmpadas queimadas e no silêncio recíproco. Fui levada para o lado de fora de algo que parecia uma fábrica. Sem pintura alguma, deparei-me com tijolos envelhecidos, paredes cheias de musgo e sofrendo com as chuvas. O lugar era bem antigo. Cercado de árvores e de uma imensidão de modo que não era possível ver muros ou divisões no horizonte. Tudo isso foi confirmado quando fui novamente jogado em um carro com as mãos e pés amarrados. O caminho até os portões, do que agora já parecia uma fazenda, foi longo e só percebi quando pararam para abrir passagem e pude me levantar um pouco para vê-lo. Mas, quando perceberam o que chamaram de “atrevimento”, tive um monitoramento especial de um cara ao lado do motorista. Eu não conseguia perceber o tempo passar, só sei que demorou para chegarmos a um lugar repleto de árvores de todos os tipos. Quase não via o sol em meio aos galhos e folhas de todas as larguras e cores. Como nas fotos encontradas na mesa onde os homens vasculhavam na noite passada.
Fui retirada e recebida com as mais ásperas palavras, quando ele me disse:
­– Saia logo desse carro e trate de ficar quieta. Qualquer barulho e você não sairá viva dessa. ­
Fiquei amedrontada no momento, mas não foi o que me impediu de mandar-lhe calar a boca e dizer que meu poeta amado viria me salvar das suas mãos.
Seus canalhas! – eu disse rispidamente.
Ele retribuiu-me com um forte tapa e com meu rosto avermelhado, caí.
Sua besta, não sabe com quem está se metendo. Só não lhe mato agora porque vou receber uma boa quantia entregando-a viva. Espero que cale essa maldita... – Foi o que ouvi dele, antes de desmaiar.

Com o passar do tempo eu sentia o frio aderir à minha pele, congelando-me dos pés à alma. Acordando aos poucos percebi que estava em uma casa, ou algo do tipo, só que de madeira. Em um quarto cuja porta estava aberta. Estranhei. Onde estariam a segurança e os homens? Então me levantei, andei pela casa. Vi como era bem mais cheirosa e arrumada do que a fábrica onde ficara. Porém, com as janelas trancadas. E foi olhando através de uma delas que percebi os guardas armados ao redor do lugar. Observando de janela em janela, contei uns cinco homens.

Continua...



sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Nice e a vida - Capítulo IV - Parte 1

IV. Levada para longe

Acordei. Já não estava mais no carro onde perdi a consciência. O ambiente escuro deixava-me com medo. Sem janelas visíveis, pensei como era difícil respirar em tal lugar e por que me trouxeram aqui. Será que queriam matar-me? Era quase impossível responder, eu acabara de acordar e não vira sequer sinal de vida. O calor estava insuportável, assim como o aroma podre de morte, de sangue. Devia ser o local onde matavam muitas pessoas, pois o cheiro era horrível. Eu não conseguia me mexer, não tinha forças nem para levantar. Comecei a observar o lugar a minha volta, visível apenas pela faixa de luz que passava através da fresta embaixo de uma porta. Tinham caixas e mais caixas amontoadas por todos os lados, muita poeira e lixo ao redor. Observei perto de mim uma mancha enorme de sangue, onde alguém talvez tentou fugir e foi pego em flagrante. E morto em seguida. Vi uma mesa ao canto com uma cadeira, dentro deste cômodo pouco maior que um galpão ou uma garagem. O teto de madeira rangia como se fosse mais antigo que as próprias paredes. O silêncio ricocheteou em minha mente, de forma que pensei estar sozinha. Não por muito tempo.
Ouvi o barulho de passos cada vez mais altos. Então a porta foi aberta. Não se importaram muito com minha presença. Dois homens se posicionaram perto da mesa e outro se sentou na cadeira. Mexiam em papéis, como se procurassem algo de significante importância. Só então repararam que eu estava ali, olhando-os. O mais próximo que estava em pé foi se aproximando. Loiro como um girassol, puxou-me pelo braço. Fui arremessada para o lado oposto do galpão e senti a dor de ter o corpo jogado em cima de caixas de madeira. Do corte em meu braço escorria um líquido que lembrava minha origem, meu coração partido. Era o meu sangue. E não deixei de imaginar quantas outras pessoas não tiveram seu corpo machucado naquele lugar. Difícil imaginar.

Olhei novamente para os homens, tomando cuidado para que não observassem minha atitude. Acabavam de mexer na bagunça em cima da mesa, retirando fotos, jornais, textos. Folhas e mais folhas com alguma serventia. Saíram. Esperei até o momento em que fecharam a porta para me levantar e ir em direção à desordem que deixaram. Via em meio aos papéis, fotos do poeta, textos dele rasgados, e um local estranho em outras imagens. Esse, cheio de árvores e repleto de escuridão. Dei mais uma olhada por cima, para ver se encontrava algo de delator. Mas não. Não havia sequer pista de onde eu estaria, ou mesmo da localização do meu poeta. Voltei para meu canto. Deveria ser tarde, o que eu não previ pela falta de luminosidade, pois a fresta da porta certamente não deixava passar a luz do dia. Eu sabia devido ao cansaço que consumia-me. Deitei e tentei dormir com tamanha preocupação.

Continua...

Espero que estejam gostando! Daqui em diante só partes inéditas no blog!

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Nice e a vida - Capítulo III

Chegamos ao terceiro capítulo completo da história. E aí? Está gostando? Pois logo teremos mais!!!


III. Conversa pouco menos que dolorosa

Poucos segundos após minha chegada em sua casa, voltei a ficar imóvel. A chuva que escorria pelas sinuosidades de meu corpo fazia-me tremer de frio. Eu continuava sem coragem de bater na porta, por mais sutil que fosse. Gradualmente os pingos foram aumentando, assim como os calafrios pelo corpo. Minha imobilidade já durava alguns minutos quando ele percebeu que havia alguém em frente à porta. Imaginei que minha sombra pudesse tê-lo assustado, mas logo concluí que não. Ele jamais se assustaria com essas coisas. Então abriu a porta e eu entrei, muda, molhada e espantada com a situação que acabara de encontrar.
Sem uma única pergunta, fui conduzida até a sala, ao lado esquerdo de um sofá, iluminada por resquícios de luz provenientes de um abajur. Na penumbra, só era possível observar a silhueta de seu corpo posicionado ao lado do meu, mesmo que ainda estivesse um pouco afastado. Foi preciso mais alguns minutos para se iniciar o diálogo.
Percebi sua hesitação em me perguntar como o encontrara. E para iniciar a própria conversa. Mas, aos poucos, a troca de palavras tornou-se fluente. Quis saber o porquê de ele ter sumido tão de repentinamente. O que me foi respondido ricocheteou em minha mente. Disse-me: “Era preciso fugir. Naquele momento me senti perseguido. Você sabia muito bem o motivo para me encontrar ali, o motivo pelo qual eu gosto tanto da escrita e, naquele dia, não me atrevera a escrever uma só palavra. Você sabia de tudo. Tinha conhecimento do contrato de escrita que fiz. Eu não tinha alternativa, a não ser fugir deles e me afastar de você. Para protegê-la e nada mais.”.
Achei muito estranho o fato dele ter dito que eu sabia o motivo de sua “fuga”. A única coisa de que me lembrava era de um tal Doutor C, com que fechara um contrato de escrita. Mas nem sabia o que era e nem como era este contrato, ele não me tinha dito.
Pedi uma melhor explicação e ele respondeu: “Chega um certo momento em que é preciso entregar as cartas e esclarecê-las. Este momento é agora. Aquele contrato de escrita de que lhe falei foi um acordo, com o Doutor C. Ele descobriu uma coisa, sobre minhas escritas, o modo como escrevo e fortaleço as palavras. Mas isto, não posso lhe detalhar agora. Com este contrato, o doutor me obrigaria a servi-lo, a obedecer seus comandos de escrita, caso contrário eu seria desmascarado. Eu estava vulnerável e só o assinei para ganhar um tempo para fugir. Então lhe encontrei naquele corredor, no momento de minha fuga. Era preciso fugir dele e dos seu aliados que a muito tempo perseguiram-me. Quando lhe disse sobre isso, eu tinha certeza do perigo dessa busca incansável por mim, mas não poderia deixar isso claro a você. E fugi”.
Foi estranho ouvi-lo. As palavras saíam de sua boca como farpas a atravessar meu coração. Ele não confiou em mim naquele dia. E isto me soou estranho. Lembro-me muito bem de suas palavras: “... não me siga nem espere nunca mais.” As duas últimas me deixaram pensativa. Como poderia ser fácil esquecê-lo depois de tanta conversa, tantos olhares? Não era possível. Não para mim. Demorei um bom tempo para me recompor e tentar continuar vivendo até encontrá-lo novamente. O que ainda me intrigava era o fato dele manter segredo quanto ao contrato com o Doutor C e o segredo atrelado a sua vida. Eu não conseguia mais ficar imóvel com tal situação. Segurei-o pelo braço e pedi para que olhasse para mim. Ficamos “cara a cara”, fitamo-nos, e reconheci em seu olhar o desespero de muita mentira e segredo fundidos ao fato de termos ficado longe. Larguei-o e fui ao parapeito da janela para conferir se a penumbra de uma manhã chuvosa era responsável pelo que acontecera instantes antes. Ele abraçou-me por trás e fez com que caíssemos no sofá, juntos, imóveis, intactos. Seu perfume servia-me de consolo por tanto tempo perdido. A essência de nossas almas era de uma simplicidade efêmera, porém real e valiosa. Nossos rostos, gélidos e pálidos, se encontraram. Era possível sentir o calor de suas aventuras e do meu amor. Um beijo foi o responsável por selar nosso encontro. Diante da chuva, dormimos naquele fim de manhã. A conversa de outrora já nos tinha cansado demais. Deixamos a preocupação de lado e dormimos.
Senti-me muito estranha ao acordar. Estava em outro lugar. Não sabia onde. Mas fui surpreendida quando ele entrou no quarto segurando uma rosa e beijando-me para que acordasse. Fui presenteada. Acabava de se passar o fim da tarde e iniciava-se a noite. Enquanto meu amado poeta entregava-me a flor, percebi que estava no quarto de sua casa. De lá, voltamos à sala e debatemos sobre a vida, nossas vidas, o que acontecera nesses anos. Andei até o banheiro, preparando-me para um banho e ele, carinhosamente, foi preparar-nos um jantar.
Voltei para a sala e observei as velas em cima da mesa, a essência de primavera e seu corpo, sentado a minha espera. Aproximei-me da cadeira onde sentei e, junto a ele, comi. Era um delicioso filé mignon com batatas levemente rosadas e outros legumes junto a um molho de cogumelos que sempre revelei gostar.

Ah! E como esse aromático molho me fazia bem! Ele representava as ceias natalinas, os almoços calorosos e todos os outros momentos de minha infância familiar. Mas esqueçam desse saboroso pensamento e afastem os sentidos gustativos. Enfim, era amor que não acabava mais.

 Ao trocar olhares, percebemos o quão difícil foi estar longe. Por um momento pensei que nunca mais teríamos problemas, que sempre ficaríamos juntos. Mas, como nos atuais contos de “fada”, a existência do “felizes para sempre” foi questionada e reafirmada negativamente. Não estávamos prontos para ficar juntos mais uma vez. Isto que ele me disse. E completou: “precisamos de um tempo parar refletir sobre os caminhos tomados por nossa história, devemo-nos amar cada vez mais. Só que a situação está difícil para mim. Estou sendo pressionado por todos, por tudo. Tenho medo de que alguma coisa aconteça a você caso fiquemos juntos. O Doutor C e os outros me perseguirão. O horror atrelado à raiva me consome.” A conversa terminou, achei estranha sua posição diante a situação, mas estava demasiada cansada para questionar. Ouvimos algumas músicas que relembravam os velhos tempos, de escola, de criança, de juventude. Então o sono voltou e dormimos entrelaçados em sua cama.
Acordei, dessa vez antes que ele. Tomei um banho, preparei um café e fiquei a sua espera. Como ele não acordava, comecei a observar sua casa, seus móveis, suas coisas. Foi aí que encontrei um bilhete, próximo a uns cadernos em uma mesa de canto. Mais especificamente um recado. Intitulado como: “para um tolo”, era de autoria do Doutor C. Este avisava-lhe do tempo que tinha para se entregar, caso contrário eles já haviam descoberto o local onde morava, pois o tinham visitado na noite passada. Suspirei. Meu espanto foi enorme. O nervosismo acabara de iniciar e percebi o perigo que estávamos correndo. Observando bem, não me lembrava de ter visto o papel naquele local. Concluí que só poderiam ter entrado na casa ontem, depois que dormimos. Lágrimas correram por minha face e tive medo de estar sendo conivente para uma situação como em Hamlet, onde a morte foi a protagonista e, ao mesmo tempo, foi o clímax da situação. Bastou o poeta acordar para descobrir por mim, o que acabara de encontrar.
Não conseguimos ao menos encostar nos lábios a comida. O ódio tornava-se visível. Pegamos algumas coisas, entre roupas e documentos importantes para então, sairmos daquela casa sem o intuito de voltar. Os passos largos e apressados demonstravam a rigidez de nosso amor. Conseguimos, inicialmente, um hotel em uma cidade vizinha, porém afastada da circulação comercial e turística. Instalamos-nos e por horas não trocamos uma sequer palavra sobre o acontecido, ou o que poderia vir a acontecer. Nossos lábios úmidos tocaram-se e, por um segundo, a conexão entre nossas almas era mais forte. Um beijo serviu como encerramento para o dia exaustivo. Durante a noite, sem conseguir dormir, passei meu tempo entretida em um livro que comprara em uma loja local. Falava sobre a vida perigosa de um detetive em busca da solução para os crimes mais ameaçadores. Algo que lembrou-me da situação de outrora. Então adormeci junto às palavras, junto ao poeta.

Um amanhecer se iniciava e uma imensa clareia abriu-se em minha mente. O que seria de nós, nas mãos daqueles doidos que procuravam meu querido poeta? Era uma pergunta que não tinha resposta. Bastou-nos tomar um café e ir atrás de informações. Então ocorreu o que menos esperávamos. Chegando ao antigo saguão do hotel colonial onde havíamos ficado, um tiroteio nos amedrontou. Eram visíveis as balas atravessando vasos, quadro, pessoas e crianças. O medo em nossos olhos e nos olhos de todos era extremamente nítido. Saímos correndo, mas fomos surpreendidos por uma armadilha. Eu acabara de me separar do poeta. Uns sujeitos vestidos de preto levaram-no de mim e eu fora pra longe dele. Outros homens me seguraram. O acetinado de suas roupas mostrava-me a classe com que bolaram a enrascada. Nossas vidas estavam sendo vigiadas há tempos. Eu temia tudo e todos. As cordas passadas em minha volta não me deixavam mexer sequer um músculo, o pano em minha boca amordaçava-me e, ao jogarem-me dentro de um carro, bati a cabeça em uma caixa metálica e reluzente ao meu lado, desmaiando. 

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Nice e a vida - Capítulo II

Relembrando o segundo capítulo completo da história de Nice! Espero que gostem e apreciem!!!

II. O início de um encontro

Eu recentemente havia me mudado para aquela cidade. Depois da morte de meu pai, eu e minha mãe não tivemos outra opção. Ela foi à procura de um emprego e eu de dar continuidade ao último ano de minha formação estudantil antes da faculdade. Foram tempos muito difíceis. Ao encontrar um emprego, minha mãe tornou-se ainda menos presente e eu passava mais tempo na escola, do que em minha própria casa. Era tudo diferente pra mim, novos amigos, nova turma, nova escola. E em meio ao caos só não pude deixar de notar um garoto um tanto quanto diferente. Nunca tinha falado com ele diretamente. Muito menos lembrava-me de seu nome. Aí que mais me culpo.
A cada dia que se passava minha curiosidade em descobrir quem era este garoto só aumentava. Mas evitei me aproximar, não queria que ninguém percebesse, ou que isso, de alguma forma, pudesse afastá-lo. Durante muito tempo o segui. Só que de nada adiantou, ele mudou de escola e temi que a culpa disso fosse minha. Para completar, minha vida já estava muito turbulenta. Com minha mãe doente não havia o que fazer. Foi o mesmo que esperar sentado o recibo de morte confirmada. A doença já estava grave e os recursos para o tratamento eram razoavelmente escassos. Ela morreu. E as lágrimas despejadas serviram simplesmente para confirmar o preço lapidado pela tormenta que resumia a vida dela. Eu estava sozinha novamente, como nos longos períodos em que passava na escola. Sozinha, deveria trilhar meus caminhos em busca de um rumo para minha vida. O turbilhão já havia sumido. E o garoto também.
Passaram-se mais uns cinco anos. Minha vida estava basicamente estável. Nada de mais, nada de menos. Sem excessos ou virtudes. Era um jogo de sobrevivência. Comia para não morrer de fome, estudava para conseguir, talvez, um emprego melhor. Sim, eu trabalhava como balconista em uma livraria. Um sebo na verdade. E ganhava muito pouco.
Na faculdade onde estudava eram poucos os amigos. Na verdade, nenhum. Só os famosos colegas de sala que nada mais fizeram a não ser acompanharem-me no intervalo. E uma série de trabalhos estava por vir. Eu, como sempre, estava só nesta jornada, passando o dia inteiro na biblioteca da faculdade estudando, fazendo e refazendo os trabalhos. Pesquisando e pesquisando mais ainda. E foi em um desses dias, à tarde, que reconheci uma pessoa que nunca tinha visto por lá e por alguns anos não via em lugar algum. Era ele. O garoto. Mas não tive coragem de me aproximar. Na realidade foram dias até que eu me adaptasse a sua presença diária e repentina na biblioteca. Até que ele mesmo lançou-me olhares. Cada dia um mais intrigante. E resolvi me aproximar. Cabelos embaraçados ao vento e com as armas que eu precisava para me afastar rapidamente se for preciso: minhas pernas e minha coragem.
Ele era de uma sensibilidade imensa, a educação e o cuidado como o de quem acaricia as pétalas de uma rosa à espera do orvalho. Seu coração era maior do que o de Iracema, a virgem dos lábios de mel. Seu aroma era como um mar de lírios onde os mais nobres livros devem repousar. E seu olhar me intimou a uma paixão.
Ele não era tão alto, tinha os cabelos amarelados como o sol amanhecido e escuros como o entardecer. Até o momento só trocávamos olhares. Então resolvi começar a falar. Contei-lhe da escola onde o tinha visto pela primeira vez, do meu curso, de quando o vi novamente, do meu gosto por livros. E não pude deixar de perguntar dele. Sobre o que aconteceu durante nosso “desencontro” imprevisível, sobre os gostos e desgostos, e sobre os projetos de vida. Ele, misteriosamente, respondeu-me que adorava ler e escrever seus poemas, que durante sua saída daquela escola (em que estudamos juntos) ficou escrevendo descontroladamente. E por fim, disse-me que cada passo de seu dia era uma trama de mistérios onde um poeta, às vezes romântico, tinha que preocupar-se com as possibilidades e desafios encontrados. E que não seria difícil dialogar com uma pessoa tão exploradora de livros como ele. Era a mim que ele se referia. Ele saiu. Eu saí. E naquela biblioteca, os livros eram cúmplices de um dos momentos mais importantes de minha vida. O momento do reencontro com meu passado, com o garoto que por tanto tempo me intrigou. Cada página, cada letra, ouvia a suave voz do poeta e da dama. Uma história acabava de começar e o “Era uma vez...” provinha dos saberes entrelaçados em cada livro ali presente. A luz apagou-se, e na penumbra, a cadeira onde ele havida sentado ficou a espera de um novo amanhecer, onde novas conversas tão enigmáticas e apaixonantes seriam tecidas e contracenadas por tão bons atores como nós mesmo fomos.
Por mais de um mês ficamos a nos encontrar no mesmo local. Para conversar. Somente. E ouvir de sua adocicada voz, resquícios dos poemas mais atingíveis que já ouvi. Pelo menos para mim. Todos, sem exceção. Durante muito tempo, muitos dias e semanas. Minha vida realmente teria mudado. Eu estava apaixonada. Por ele. Pelo poeta. E cada vez mais feliz por isso.
Havia dias em que ele me levava rosas. Das mais perfumadas e acaloradas que eu já tinha visto. O aroma conseguia ser tão presente quanto o dele. O carinho em suas atitudes, em sua voz, sensibilizava-me. Clareava meus caminhos. Exalava fragrâncias em minha vida. As longas conversas estavam longe, mas muito longe, da monotonia de outros tempos. Eu era uma nova moça, uma moça-mulher. E como, cada vez mais, ele me encantava eu não sabia. Era amor na certa. Ou dó de um pobre poeta desalmado. Cujos poemas não serviriam para nada além de alimentar-me as lágrimas suavizadas pelas olheiras das noites mal dormidas. As noites em que pensei nele e em sua poesia.
O mundo mudara para mim. De uns tempos pra cá a vida era a semelhança de uma certeza que eu ainda deveria confirmar. E todos os acontecimentos serviam de afirmação para cada declaração milimetricamente misteriosa. Nosso envolvimento, ao passar dos dias, era firmado por mais um cadeado que nos unia. Eu acabara de conhecer a paixão. Que segundo ele é a “cápsula envolvente de um amor platônico e idealizado como os românticos o fizeram”.
As semanas corriam e já se passara mais de três meses. Percebi uma repentina mudança em seu comportamento. O medo em seu olhar era cada vez mais presente. Seus poemas tornavam-se menos “entrelaçantes”. Seu sorriso desatava a cada pessoa que passava despercebida, o que nunca antes acontecera. As conversas ficaram mais rápidas e sucintas. O amor era derretido e a cada instante uma nova gota desperdiçada se perdia no mar de lágrimas provenientes de mim. Todas as noites mal dormidas foram transformadas em noites de tormenta e choro, muita lágrima derramada. Muita falta de pensamento. Eu não sabia o que acontecera. A situação, a cada momento, ficava mais fora de alcance.
Foi quando, em um dia, antes de chegar à biblioteca, nosso local de encontro fora substituído por um corredor. Aquele corredor. Onde ele singelamente me disse que precisava retomar as escritas, que eu sabia por que ele estava ali. Mas eu não sabia. Não tinha a mínima ideia. E ainda afirmou que achavam que o estavam perseguindo e procurando, e não devia deixar as escritas e reflexões em perigo. Eu via o medo em seus olhos. Mas não tive alternativas quando ele me fez prometer que não seguiria seu caminho e nem iria procurá-lo mais.
Foi intrigante e misterioso. Ele me deixou só. Num corredor escuro e sem saber o que fazer. Sem rumo. Ele tornava-se, a cada instante, mais inatingível. Era um poeta, mas um poeta inatingível.
E então fui à sua procura, contrariando a promessa, como já lhes contei. E o encontrei em sua casa diante a rala chuva que escorria em minha face, desviando em meus lábios e inundando meu corpo. Finalmente após dois anos pude reencontrá-lo. Mas nem tudo estava como pensei.

O mundo havia mudado, assim como ele, suas atitudes, seu endereço (que na cadeira da biblioteca me confessara e me custou descobrir o novo, mas o havia feito) sua vida, a minha vida e o seu amor. Era difícil e doloroso vê-lo assim. Mas já era hora de conhecer as “cartas” deste “baralho”. E como num jogo de xadrez, dei-lhe o “xeque-mate”.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Chá de livro #1

    Um projeto que criei a uns três anos em que escrevo cartas para personagens de clássicos da literatura. O primeiro escolhido por ordem de publicação do mesmo é o "Auto da Barca do Inferno" de Gil Vicente. As cartas inicias são escritas em segunda pessoa, depois serão escritas em primeira pessoa. A ideia é aproximar você, leitor, de detalhes importantes da obra à partir  de críticas ao "entrelaçar" da trama. Espero que viaje comigo nessa leitura!

Auto da Barca do Inferno (1517), Gil Vicente

            É meu querido Anjo, pelo que vejo tu és o mais direto e objetivo. Teve gente que te confundiu com o Diabo e ele contigo. Aliás, não é de se achar normal um símbolo como tu teres caráter tão maldoso e o Diabo já tão acolhedor. Larga este maniqueísmo! Tua barca está cheia quando, somente, os cristãos entram, mas a infernal transborda de malfeitores e pecadores como bem nos disse. Só que agora quero compreender porque alguns tu expulsaste.
            O Fidalgo, coitado, era nobre. Tentou fugir do diabo, mas foi na barca dele que entrou. Claro que entendo o porquê de lá estar. Nem pra admitir os pecados ele prestou, quanto menos para perceber que sua mulher ficou feliz com sua morte. E quanto ao pajem, foi ignorado por ti e pelo Diabo. Nem sequer, em uma barca, entrou. E fique no Inferno que concordo deste ponto.
            O Onzeneiro era um agiota qualquer. Não fez nada que preste. E foi para o inferno como eu bem presumia. Nem perdemos tempo com ele. Só de conhecer o tal Fidalgo nem precisamos gastar mais argumento. Vai pra outra barca.
            O Parvo. Ele sim tem um “quê” de zombaria. Um tolo, ingênuo, que não faz por mal. Claro que tu, Anjo, entendeste. Este o Diabo não menospreza, mas como tu liberaste, aí entrou. E foi bem feito.
            O Sapateiro. Não tão importante. Se roubou, para o inferno irá. Sem desculpas. E concordo contigo também.
            O frade. Que chega com sua amante e ainda acha que passaria para tua barca. Só por ser religioso o castigo deveria ser maior. Onde já se viu um padre ter amante, é um falso moralismo religioso. Ele que não venha com conversa afiada. Ainda bem que para o céu não foi. Nem a amante.
            Brísida Vaz, a alcoviteira. Ela que a seiscentos homens enganou com as falsas moças virgens. E há quem diga que a própria Brísida foi quem as tais virgindades retirou. Nem adiantou ajoelhar que tu já mandaste à barca infernal. E foi o certo.
            O Judeu e seu bode. Achas certo, Anjo, todo este preconceito? Foi ignorado pelo Diabo ao pedir para entrar na barca dos infernos. Apelou para o suborno e foi uma tentativa falha. E tu também o rejeitou pela não aceitação do cristianismo. E o coitado acabou rebocado pelo Diabo. Tudo isto, pois seu querido Dom Manuel resolveu expulsar vários judeus de Portugal. E os que sobram viram “cristãos novos”. É difícil acreditar que tanto o Diabo como tu tens toda esta afeição pelo cristianismo. Deveriam, vocês, serem imparciais. Mas não vou discutir, deixemos isto ao final.
            O Corregedor e o Procurador são do judiciário. Com seus processos e livros tentam se defender como belos advogados que não são. Ninguém mandou manipular a justiça, que vão para o inferno.
            O enforcado, nem preciso dizer. Um corrupto safado. E se foi condenado ao enforcamento, é porque de algum modo errou perante todos e à Igreja. Que no inferno fique até ser enforcado novamente. Se é que pode!
            Só o Parvo e os Cavaleiros para se salvarem, estes por lutarem nas cruzadas e aquele já “vos disse”. Vejo a revolta de todos que lá estavam, na barca encalhada dos infernos, e que tiveram que empurrá-la. Fico intrigado com tua afeição pelos cristãos. Os Cavaleiros mataram, mas como foi pela igreja tudo bem. Tudo bem pra ti. Eu, que de certo nada achei, me pergunto a importância da Igreja pra ti, Anjo. Neste purgatório, deveria tu ser imparcial e não ficar relatando se foi ou não em prol da Igreja cristã que as coisas aconteceram.
            Nesta Idade Média em que tu prevaleceste, poucos se salvaram. E destes poucos, só os influenciados pelo cristianismo ou os puros. As normas religiosas não foram cumpridas da forma mais restrita, e nem mesmo os salvos o fizeram por bem. Mas sobre bem e mau não discuto. Que fique congelado neste maniqueísmo vicioso. Que a transição e oposição entre vida e morte, bem e mau, fique intacta no purgatório, onde tu e o Diabo que entrem em acordo para lotar as barcas.
            Entendo tua dúvida entre a religiosidade medieval e a crítica social moderna, mas me pergunto se de lá pra cá alguém já teria coragem e responsabilidade para interpretar, neste teatro “medieval-moderno”, opiniões tão distintas, entre certo e errado, e tão próximas, entre o cristianismo do céu e do inferno, do Diabo e de tu, querido Anjo.

            Espero que te decida então. E enquanto isto leio sobre a Alma e o Purgatório.

domingo, 31 de agosto de 2014

Um retorno. Uma história. A mesma Nice.

    Caros leitores!
    Desculpem-me pelo enorme tempo ausente. Compromisso estudantis, projetos e a escrita de Nice e a Vida tomaram meus dias e noites, o que tornou impossível compartilhar com vocês nesse período. Mas como forma de recuperar os dias perdidos, adianto aqui que a vida de Nice está quase ultrapassando a marca de 40 páginas. E para compensar, a partir de hoje estarei postando no blog os capítulo novamente, o que me proporciona uma margem de texto suficiente para que eu poste e escreva simultaneamente essa história mágica, cheia de suspense e romance em cada frase. Espero que gostem!!!

Abaixo o primeiro capítulo completo de Nice e a Vida:

I. À procura dele

            E pensar que correr por aquele corredor poderia ter mudado minha vida. Não. Já foi. Já passou. E o que sinto, não faz mais diferença agora. Ele saiu, me deixou e só resta recolher-me os cacos e fugir.
            Assim me senti no primeiro dia. Quando nos aproximamos, não sabia mais como construir meu mundo, se recolhia os cacos, ou reconstruía com novos materiais. Essa foi a dúvida.
            Então, saí correndo e cá estou, neste beco (se é que posso chamar quarto de beco, afinal é onde me recolho nas fraquezas e virtudes) sozinha. Não sei o porquê? Nem como isto aconteceu. Mas vou começar do próprio começo. Se é que me permitem tal falta de comprometimento com ela, a culta norma.

            Aos poucos me preparava para o momento. O momento certo daquilo.
Passei pela casa dele logo de manhã, junto à translúcida chuva matutina. Onde cada pequena gota escorregava pelo ar não tão poluído, como o diamante a escorrer do olhar. A meu ver, a casa estava escurecida, a treva haveria passado por ali também, como em toda casa onde se deixa sonhar livremente e pelo tempo que for preciso. Não percebi que dali olhavam-me. E nem como isto mexeu com minha vida, quebrando o cristal mais precioso, a coragem, e deixando-me na dúvida. De ir ou não ir, voltar ou não voltar. Ou como diz Hamlet: “Ser ou não ser”. Tal dúvida não me deixava consolar aos pensamentos.
Andando um pouco mais, passei pela biblioteca que durante muito tempo frequentei. Antes de conhecê-lo. Lá, os livros eram como as âncoras dos navios, impedindo-me de sair sem terminá-los, de sair ao caos e afogar-me nas grotescas ondas de um mar profundo. E foi o que fiz. Afoguei-me. Mas, nos livros. O cheiro da página virada dava-me fome, fome de lê-lo e relê-lo e relê-lo. Lá, cada estrofe era uma vida que se renovava, uma parte da história que se acoplava em meu mundo, junto às ideias mirabolantes de ser uma leitora, escritora e amante fiel da palavra escrita. Corri.
Por um instante pensei ter feito a coisa certa, mas de certo só o errado acerto. A chuva continuava e meu cabelo, já ensopado, não tinha mais forma. Continuei caminhando para então, parar e lembrar-me de mais uma das entranhas da minha vida cruel. Lembrei-me dos tempos em que estudei naquela escola a minha frente. Das brincadeiras escassas de maldade, cheias de prazer, dos amigos, professores, dos cantos e recantos, dos momentos lá vividos e de cada peça do meu quebra-cabeça vital lá reconstruído. O portão lembrava-me dos sonhos que tive e ficaram guardados atrás de cada parede suja com os riscos de giz, os riscos da infância, vigiados pelo cadeado que o trancava.

Mas me deixem chorar. Lembranças fazem-me escorrer lágrimas.

E continuei a correr na chuva, desesperada por cada gota que esfriava meu corpo quente de saudade. Se é que choveu, pois corri boa parte do percurso desperdiçando lágrimas. Inesgotável. A cada passo, as lembranças dos nossos momentos juntos não me saíam da cabeça. Eu me arrependia cada vez mais de ter corrido quando passava em frente a sua casa. Mas como falei, foi minha já esgotada coragem, que sumiu sem deixar rastros. Continuei andando até encontrar uns amigos e assim, me recompor.
Passaram-se horas e eu, com eles, esqueci-me dele. Momentaneamente.
Sim, era outro dia e eu acabava de acordar em meu famoso quartel. Meu quarto querido. Sem me esquecer dele. E morrendo de vontade de encontrá-lo. Fui.
Por sorte, estava na casa. Na mesma onde me olhavam ontem. E era ele que me olhou fixamente. Só que o nervosismo não me tinha deixado perceber.

Como pude esquecer de meu querido Poeta tão amado? E pensar que ele me deixou só, naquele corredor, dizendo: “Preciso retomar minhas escritas alucinadas, afinal, você sabe por que estou aqui. Seguirei meu caminho e você prometerá não ir atrás de mim. Tenho a leve impressão de que me perseguem e me procuram, estou com medo e não devo deixar minhas escritas, minhas reflexões de um poeta mal amado, correndo perigo. Não me siga ou me espere nunca mais.”. Correr atrás dele poderia ter mudado minha vida. Mas não o fiz. Havia prometido. Recolhi-me os cacos, como já lhes disse, e fugi. Se é que posso fugir, afinal já estava sozinha e nada e ninguém me perseguiam. Imagino.
Sei como tudo deve estar confuso para você. Por isso, falarei sobre mim e sobre ele, o Poeta inatingível.

    

domingo, 1 de dezembro de 2013

Discurso em homenagem aos pais feito por mim para a formatura

Boa noite a todos!
Estou aqui, em nome de toda a turma, para falar sobre pessoas queridas, que tanto nos apoiaram, nos amaram, nos carregaram no colo por muito tempo e nos levaram à escola diariamente. São vocês, pais.
Desde os primeiros passos, nosso crescimento só foi possível, porque tínhamos mãos que nos ajudavam a levantar, mãos que nos faziam carinho, mãos que nos confortavam e que ainda nos confortam. Sempre tivemos alguém para conversar, para compartilhar os segredos da infância e da adolescência e ainda mais para abraçarmos. Foram vocês que mandaram para longe nossos medos e nos ensinaram a vencê-los.
Os momentos mais felizes, sem dúvida alguma, têm vocês por perto. Para falar a verdade, nossa busca incessante pela felicidade só é possível, pois no caminho que trilhamos, por mais que encontramos obstáculos, vocês nos explicam como avançar, como distinguir abismos de simples erros, como aprender a amar e, ao mesmo tempo, entender as consequências disso. Enfim, são valores, verdades e atitudes que aprendemos constantemente, para o resto da vida.
Mas não podemos esquecer os momentos de tensão e desentendimento que passamos juntos. Por mais que entristecemos, foi nessas horas que percebemos como são sábios. E nessa sabedoria, conseguem perdoar nossos erros e, ao mesmo tempo, ensinar lições de honestidade e caráter. O que seria de nós sem a palavra de vocês, não é mesmo?
Agora, em pleno terceiro ano do ensino médio, nos deparamos com obstáculos ainda maiores. Enfrentamos nosso maior medo. O medo das mudanças, do vestibular, de perder amizades não por vontade e sim pelas distâncias e escolhas. É nessa hora, que o nervosismo aumenta só de pensarmos em mudar de cidade por causa de um curso, um objetivo de vida que queremos seguir e temos o apoio de vocês. Longe ou não, amamos todos incondicionalmente (é recíproco, sabemos), e não será nem um pouco fácil conhecer a liberdade do mundo universitário, que muitas vezes nos prende à nossas dores e temores. O que fazer agora? O tempo de escola está se acabando. As portas das faculdades estão abertas. E sabemos que é preciso partir, levantar voo em direção a um horizonte imenso. Mais uma vez são vocês que têm que lidar com outra dificuldade: uma linha tênue entre a vontade de nos ter por perto e a consciência do passar do tempo e dos desafios da vida. A decisão tomada por vocês é muito complicada, e a consequência é o empurrão para o primeiro contato com o mundo adulto.
Daqui a pouco, somos nós que vamos querer cuidar de vocês e protegê-los para que possamos retribuir carinhosamente, desde às singelas palavras confortantes até aos calorosos beijos e abraços. Afinal, os muitos erros nos renderão acertos enormes. E nosso agradecimento é pela simples existência de todos vocês que estão aqui presentes ou não puderam vir. Cada lágrima que escorrerá de nossos olhos significará que a história de um amor entre pais e filhos é eterna. Assim com os olhares, as palavras, os conselhos. Amamos vocês porque são verdadeiros, únicos em cada detalhe.

Muito obrigados por compartilharem este momento ao nosso lado, nos apoiando e nos confortando neste fim de ano.

sábado, 19 de outubro de 2013

Carta Aberta

    Pessoal, abaixo, uma carta aberta com a temática das memórias históricas e afetivas, com enfoque nos idosos. O texto foi feito para as aulas de redação e está de acordo com as regras referentes à escrita e estrutura requerida pelos vestibulares como Fuvest e Unicamp. A única composição que NÃO deve constar nestes vestibulares (caso esteja especificado na proposta) é um nome próprio ou qualquer identificação do candidato (você!). Deste modo, a carta não deverá ser assinada com nome, como a que fiz!
    Atenção: os nomes que constam na carta são todos fictícios, assim como o destinatário.
   Espero que gostem!!! 





Piracicaba, 01 de outubro de 2013
Aos idosos do grupo de apoio “Reaja com vitalidade”

Conforme atingimos uma idade mais avançada, as lembranças começam a aparecer e diversas sensações permeiam nossa vida no que diz respeito aos laços afetivos e históricos fomentados ano a ano. Conhecemos pessoas, passamos por situações e ilustramos a ótica da nacionalidade.
Cada um de vocês deve se lembrar do passado de nosso país, do parâmetro internacional ou de alguma característica cronológica que marcou os antigos dias, como o atentado ao World Trade Center, o período populista e ditatorial brasileiro, ou mesmo o início de uma identidade marcada pelos novos ritmos musicais. São memórias como esta que devem ser resgatadas e analisadas por todos como bônus pelos tempos de vida.
Também podemos pensar sobre os laços afetivos e nossas vivências em busca de uma afirmação e estímulo ao futuro, reavivando a memória sem descuidar da saúde e das relações sociais em nosso convívio. O importante é manter constantes as observações diárias para que o exercício mental tenha resultados mais que positivos.
Deste modo, esperamos que compreendam que resgatar as memórias é o modo mais fácil de encorajar-se perante o mundo e demonstrar o quanto são importantes para ele. Afinal, tudo por que passamos se consolida nos resquícios de um Brasil em desenvolvimento, do qual somos os pilares mais importantes e antigos.

Atenciosamente,


Filósofa Cecília Toledo e psicóloga Sandra Diniz

A burguesia proletária grita socorro!


Há muito tempo podemos considerar o exercício do patriotismo do cidadão brasileiro como sucessivas críticas ao questionável modo de governar o país. A população foi às ruas, bandeiras foram defendidas, estudantes uniram-se, sistemas foram discutidos com as “Diretas já!” ou mesmo com o movimento dos “caras pintadas”. Porém, o veículo de comunicação vem se transformando e está, atualmente, muito além de cartazes feitos à partir de mimeógrafos. Chegaram as redes sociais.
Por decorrência delas é que no fim do primeiro semestre de 2013, impulsionadas por motivos distintos, pessoas de diversas idades saíram em protestos. A contestação divulgada pela mídia tecnológica, a respeito desses ideais revolucionários, permeou um problema de milênios: o descompromisso governamental com relação à saúde, educação, transporte e às liberdades individuais.
O Que nos deixa duvidar é a veracidade das promessas feitas pelos políticos apenas para manipular um povo sofrendo com a “baixa” autoestima. Deste modo, não temos certeza a cerca das mudanças que foram provocadas e serão executadas. E a população iludida sofre com os resquícios de um vandalismo manifestante fora do controle.
Será que compensou todo o apartidarismo? Ou este foi marcado pela intromissão do antipartidarismo? É evidente que ambos foram concepções que se contradisseram durante as manifestações e denunciaram o caráter perigoso da falta de liberdade gerada pelo grupo social. Mas o posicionamento adotado foi o que preocupou, pois este pode ter ofuscado os objetivos do protesto.
Milhares de pessoas saíram defendendo um ideal de “país melhor” em que a rede social foi a metáfora do “‘independência ou morte’ às margens do Ipiranga.” Mas, ao que vemos, um discurso presidencialista cessou a desconfiança do povo brasileiro. E as atitudes a serem tomadas daqui para frente não devem ser acompanhadas por regressos eleitorais. Enquanto isso, o povo espera, sofre e busca uma esperança inexistente há anos.


quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Sobre eles, sobre nós, sobre os outros!

Houve uma época em que a divulgação de informações era feita somente pela oralidade e não era possível distinguir um boato das verdades natas. Então fomos evoluindo, os resquícios da escrita foram surgindo e na Roma Antiga, os imperadores já nomeavam delatores para que circulassem pelas ruas ouvindo as fofocas e criando outras contrárias, caso estas prejudicassem a imagem da soberania. O que só demonstrava o poder da fala em uma crescente.
Aos poucos surgiram outros meios de dissipar as notícias, pois havia a necessidade de controle social e político das massas. E o rádio foi o grande destaque neste momento. À partir deste aparelho é que os rumores serviram de política “adestradora” da população, que ocorre até hoje, com a revolução tecnológica responsável pela criação das redes sociais.
Obviamente que, mesmo com a internet, é muito difícil confiar na veracidade dos fatos que nos são apresentados. Por isso que, no campo internacional, observamos a China ameaçando a condenação de quem espalhar boatos “virtuais”. E a explicação para esta atitude está muito além da interpretação correta de “liberdade de expressão”. São necessárias atitudes.
Não bastou essa inconformidade da segunda economia mundial e nem mesmo explicitar a linha tênue que separa o caos de pequenos rumores maldosos. Pelo simples fato de que estes são a mais velha mídia do planeta.
A única forma de cessar a introspecção causada por esta difusão informativa é ir além dos conceitos educacionais competitivos e patriotas que mascaram as políticas em todos os cantos. Como foi dito por Mandela: “Fofocar sobre os outros é certamente um defeito, mas é uma virtude quando aplicado a si mesmo”.









Sinta! Por si só....

   E quando bate aquele sentimento forte que não se pode acalmar ou segurar. E você percebe que o mundo está ali, você está ali, assim como sua família. E a vontade de ler chega e de escrever e de desenhar e de assistir e de amar e de sonhar. Não se pode resistir. Mas os olhos só enxergam aquele objetivo lá no fim. Um tal de vestibular. E tem a pressão da prova, do conteúdo, "do continente", da metonímia, da escola. A lágrima escorre mas não sacia a sede de chorar e de mudar o rumo da situação.
   É extremamente difícil ler e escrever enquanto se estuda ou se precisa estar estudando. Os pensamentos são tão inóspitos e inconsequentes. São preenchidos de abismos de matéria e mais matéria. E ficamos cansados de tanto pensar, de tanto estudar. Mas o tempo está acabando e o tal do vestibular está mais próximo. Os estudos, não sei porque eles estão tão amedrontadores.
   Força de vontade não pode faltar. Mas de quê adianta estudo sem questionamento, sem dúvida e sem preocupações, né? Siga seus objetivos e pronto. Que eu sigo os meus também e vejo se esqueço de amar, de sonhar de cantar de ler de escrever a vírgula. É preciso ter o tempo pra descansar, pra se divertir, pra se querer viver.
   Precisamos aproveitar a vida, como se fosse um pássaro em seu primeiro voo, ou mesmo um livro em seu lançamento. As atitudes vêm depois, com o tempo. E com a aprendizagem desse ano mais do que corrido. Uma hora os sonhos se libertam e os pensamentos esmiúçam a pele em busca de vitalidade, em busca de saciedade, de escrita e de amor.
   Temos é que nos aquietar e esquecer que o sistema de ensino é o ditador de uma constituição composta por notas e valores adquiridos, principalmente, na teoria. A libertação vem aos poucos, quando descobrimos que somos mais que o "sistema" e que o binômio conhecimento/identificação é conceito pronto e irreparável e somente mutável por nossa consciência.
   Então leia, escreva, ame, divirta-se... Viva com intensidade cada momento, cada olhar, cada sentimento e vontade. Pois o tempo nos traz o que ainda não queremos enxergar. E nossa visão se expande a cada nova brisa. E nossa opinião muda a cada instante. Resquícios de um antigo sofrimento.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

sábado, 24 de agosto de 2013

A família ideal por trás de um perigoso rodízio de pessoas


Há muito tempo, Martinho Lutero disse que “a família é a fonte da prosperidade e da desgraça dos povos”. Podemos adaptar esta frase às mudanças que estão ocorrendo atualmente. Assim, entendemos que esta instituição é enriquecida pelas relações sociais e pela educação transmitida pelos pais, mas, em contrapartida é corrompida pelo desrespeito dos povos que a desgraçam.
Na Grécia Antiga o patriarcalismo se mostrou forte e evidenciou a supremacia masculina no domínio da sociedade. Esse modelo foi desfeito com o passar do tempo e mesmo assim, tornou-se muito relevante nas discussões sobre igualdade e respeito. Porém, o assunto que tomou seu lugar se assemelha ao preconceito e é direcionado às novas famílias que estão emergindo. São estas, os casais homossexuais que, para a Igreja, contradizem a antiga tradição religiosa de pai e mãe sendo um homem e uma mulher.
Definitivamente muitas barreiras foram quebradas, como a legalização do casamento homoparental em alguns locais e o “despertar” da mulher para o mercado de trabalho. São estes aspectos que recriam a definição de uma instituição onde o que deve importar é o bem-estar físico e social de seus integrantes. E as imposições de outrora mostram como o nosso e outros países estão ainda desatualizados. Não existem mais padrões a serem seguidos. Uma boa família é você quem faz. São as atitudes de cada um.
Como disse Engels em seu livro “Origem da família da propriedade privada e do estado”, existe “uma ligação da família com a produção material, utilizando-se do materialismo histórico e dialético e relacionando a monogamia como "propriedade privada da mulher”. E essa escolha já definida não é mais válida hoje em dia. Cada um decide como cultivar seus familiares e criar laços socialmente afetivos. Caso contrário, é como se estivéssemos enlatando pessoas de sexos diferentes e vendendo em prateleiras nomeadas: “escolha seu parente”.

O comércio familiar imposto pelo estado, pela igreja e pela mídia é extremamente prejudicial, até mesmo à educação. E aos poucos se iniciará uma batalha que perdurará por muito tempo. Pois a essência da família precisa ser resgatada e as vitrines desta venda não podem ter expostos os filhos.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Querida

     E de repente ela não está mais aqui. A morte bateu na porta de uma querida, e as desculpas para dispensá-la infelizmente acabaram. De uma hora para outra, momentos ruins e sofridos chegaram, desestabilizaram o cotidiano, mudaram costumes. Tudo foi feito para “abastecer o combustível”. Mas este já era insuficiente para suprir todo o necessário e mesmo para ser suportado por este “tanque” de 13 anos. “Tanque” no melhor sentido da palavra, muito conservado, confesso. Mas que o tempo feriu, e não houve como restaurá-lo.
        Lágrimas correram. A respiração tornou-se ofegante. Os olhos fecharam-se aos poucos. E foi só possível ouvir a “operação dos funcionários deste posto”. 48 horas e o que antes funcionava, foi perdendo sua função. Porém, o que existe de mais belo e incontestável neste mundo, foram as lembranças que sobraram. O ápice de um sofrimento que acabou para ela. Estendeu-se para nós e deverá ser passageiro. Agora ela está bem. Repousa. Relembra sua trajetória. E isso não é um ponto final. É uma ponte para algum lugar, algum momento mais calmo e feliz. Tranquilidade. Tristeza. Reconhecimento de que tempo passa. E de que eterno só ele mesmo.

         E agora entendi para quê servem as fotos! 

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Um Brasil, antes distraído, na busca pela consolidação de um Estado com atitudes

Para ler este texto é preciso tomar conhecimento de alguns conceitos de grande embasamento no decorrer dos argumentos. E lá vão eles:
- História: “ciência que investiga o passado da humanidade e seu processo de evolução, tendo como referência um lugar, uma época, um povo ou um indivíduo específico”.
- Pacífico: “amigo da paz, sereno, tranquilo. Que é aceito sem controvérsias ou oposições; indiscutível”.
- Socialização: “ato de transmitir aos indivíduos os padrões culturais da sociedade”.
- Manifestação: “ação de tornar público. Ato de expressar um pensamento”.
- Vandalismo: “destruição do que é respeitável pelas suas tradições, antiguidade ou beleza”.
- Estado: “nação politicamente organizada e dirigida por leis próprias”.

Agora, já se é possível ler e retirar em meio aos questionamentos, suas próprias conclusões.

Há alguns dias o Estado provocou na população em geral um crescimento de um nacionalismo e preocupação com a condição miserável do país. A “labareda” serviu para “incendiar” o “coração” do povo brasileiro e abrir os olhos de muitos de nós que estamos sendo enganados por políticas públicas de investimentos invisíveis.
Aliado a este acontecimento, observamos uma Copa das Confederações ocorrendo e a proximidade devastadora da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Foram as mais altas “cifras” investidas (e com excesso de gasto “previsível”) para que criássemos estádios altamente tecnológicos em muitos lugares em que estarão deslocados da condição social da população, como em Cuiabá e em Manaus. É válido lembrar que não se faz um evento com “máscaras”, é preciso mostrar a “cara” desse país. E a falta de investimentos na educação, saúde, segurança, transporte público, e em muitas outras áreas fez com que mais de 200 mil habitantes brasileiros se reunissem em uma manifestação (um protesto) em sua maioria pacífica, a fim de reivindicar nossos direitos como nos é viável pela Constituição Federal.
Absolutamente, esta é a hora certa de um movimento como este, para “acordar” esse país tão despreparado e desrespeitoso com todos. Estamos passando por um marco histórico do Brasil que, instigados pelo aumento de R$0,20 e pela violência de policiais, provocou uma rebeldia mútua que fez com que ruas e mais ruas fossem cercadas em meio aos protestos.
O problema é a minoria de vândalos que tem como sinônimo de protesto, violência e depredação de patrimônio público (aí sim que se deve a intervenção de policiais, segundo a constituição), causando o transtorno momentâneo.
Ressalvo que a ocupação do Congresso Nacional foi uma das mais viáveis maneiras de se chamar a atenção do mundo inteiro para o “gigante” que agora, mas só agora, resolveu acordar e lutar veemente pelos seus direitos. O abraço ao congresso, as frases gritadas, o hino nacional cantado em alto e bom tom, evidenciaram o quão brasileiro nós somos e queremos o melhor ao nosso país.
Existiram vaias, o discurso da Dilma, o ataque bipolar da Mídia Global e o confronto entre o Estado, a População e a Mídia. Assim, independente de tudo, o que está em jogo não é a vitória da Seleção brasileira na Copa das Confederações e sim, a vitória de um Brasil com mais direitos, sem corrupção, com investimentos, apreciado pelo mundo, para que possamos nos orgulhar de uma “pátria amada”, terminando o canto de um hino.
O protesto com objetivo e sem vandalismos é importante e necessário, as intervenções e melhorias do governo também. Não podemos pensar que sentados no sofá e assistindo às redes de televisão decidirem o que fazemos e o que pensamos, conseguiremos avançar institucionalmente. A mídia não deve nos corromper e é preferível essa atual imparcialidade mascarada frente aos acontecimentos recentes. Mas também não devemos dar liberdade o suficiente para que isso ocorra na frente de nossos olhos.
O Brasil precisa de nós. A juventude está em processo da luta pelos direitos. E o “#vemprarua” tem que servir de exemplo às próximas gerações, para que não sejam corrompidas como fomos por muito tempo.

Repetindo o bordão criado pela Fiat: “Vêm pra rua, porque a rua é a maior arquibancada do Brasil”. É nesse patamar que devemos jogar e “driblar” todo esse estado corrupto e imaturo. Estamos no fim do “segundo tempo” e precisamos de um “gol”.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Nice e a vida - Capítulo III - Parte seis

Um novo dia  se iniciava e uma imensa clareia abriu-se em minha mente. O que seria de nós, nas mãos daqueles doidos que perseguiam meu querido poeta? Era uma pergunta que não tinha resposta. Bastou-nos tomar um café e ir atrás de informações. Então ocorreu o que menos esperávamos. Chegando ao antigo saguão do hotel colonial onde havíamos ficado, um tiroteio nos amedrontou. Eram visíveis as balas atravessando vasos, quadro, pessoas e crianças. O medo em nossos olhos e nos olhos de todos era extremamente visível. Saímos correndo, mas fomos surpreendidos por uma armadilha. Eu acabara de me separar do poeta. Uns sujeitos vestidos de preto levaram-no de mim e eu fora pra longe dele. Outros homens me seguraram. O acetinado de suas roupas mostrava-me a classe com que bolaram a enrascada. Nossas vidas estavam sendo vigiadas há tempos. Eu temia tudo e todos. As cordas passadas em minha volta não me deixavam mexer sequer um músculo, o pano em minha boca amordaçava-me e, ao jogarem-me dentro de um carro, bati a cabeça em uma caixa metálica e reluzente ao meu lado, desmaiando. 

Continua na próxima semana, com o capítulo IV...

domingo, 7 de abril de 2013

O sangue feminino ainda injustiçado


Essa narrativa minha participou do 8o Prêmio Igualdade de Gênero. Na temática estavam as relações de gênero entre homens e mulheres tão polêmicas atualmente. Espero que gostem e apreciem esse forte e marcante texto, em busca da valorização feminina e término do preconceito ainda vigente. 

O sangue feminino ainda injustiçado

Percebi o tiroteio quando a primeira bala acertou a janela do meu quarto. Foi o tempo de saltar da cama e me esconder atrás de uma parede falsa dentro do meu guarda-roupa. A previsão de muitas vezes acabara de se tornar realidade. Senti-me segura somente quando agarrei meu caderno, já amarelado, e um pedaço de lápis com o qual comecei a escrever e reviver momentos dramáticos de minha vida.
A primeira coisa que me veio a mente foi minha mãe. Lembrava-me do rosto cansado, das tantas lágrimas derramadas, de toda violência sofrida. Dos espancamentos que sofrera, das constantes humilhações por ser pobre e negra no Brasil.  O contínuo barulho dos tiros fazia-me lembrar do sofrimento que a corroeu por muitos anos, assim como as desigualdades e agressões. Minha infância foi difícil. Em pleno auge da Segunda Guerra Mundial, eu ficava horrorizada com as notícias que ouvia, das pessoas sofrendo, morrendo. Só podia imaginar o sangue escorrendo nos bueiros, como a chuva tranquila e refrescante que aterrorizava os moradores de rua no mundo inteiro. Os corpos estirados no chão, os pedaços de seres humanos em cada esquina, era difícil imaginar como meu pai reagia a tudo isto, enquanto participava dos conflitos. Enquanto atacava a Itália, que muito me custou descobrir o que era, pois eu não estudara, não havia professor disposto a isto, todos ficavam com medo de sair às ruas, de ensinar pobres coitados, sem dinheiro algum. A situação só piorava, mas para quem já estava esperando pelo pior, não fazia diferença. Era triste lembrar que, depois da morte de meu pai na guerra, fomos expulsas do cubículo onde morávamos e passamos dias mendigando, em busca do alimento de cada dia e de um trabalho para uma pobre mulher, minha mãe. Sentia-me horrível em vê-la sendo maltratada pelos homens que passavam pelas ruas. A cada chute que levava, uma nova lágrima escorria pela minha face em busca de um refúgio, com medo de tanta maldade. Não existiam direitos para as mulheres, não havia justiça nas ruas, onde o sol nascia cada vez mais próximo. O calor aderiu à pele já suada, a refletir com um espelho d’água sob o sol cotidiano. Os dias passavam e a cada minuto ficava mais difícil, para minha mãe, conseguir um emprego. Até que um homem qualquer ofereceu o cargo de carregadora de encomendas na quitanda da qual era dono. Garanto que foi por pena, por todo o tempo que nos enxotou da frente de seu comércio de onde relutávamos em sair. O fato é que com este emprego era possível comprar umas torradas de pão velho, sobrando algumas moedas para o jornal, material indispensável em nosso dia-a-dia. E nos aquecia ao anoitecer.
Nossa vida mudara. De pedintes, fomos promovidas a “escravas”, com minha mãe recebendo aquela miséria. Para nós não existia nação, fé ou mesmo patriotismo. Existia a mulher sendo inferior, como se ainda comesse, dia e noite, a maçã, já globalizada, de Eva. E para piorar nossa situação e resolver suas dívidas sujas, o quitandeiro obrigou o casamento com minha mãe. Não que isso fosse sinônimo de liberdade, pois a mesma estava tão distante. Nem que ela tivesse outra opção a escolher. A rotina da coitada não mudara, apenas ganhara o título de “mulher do quitandeiro”. Novidade foram os pontapés, socos e tapas recebidos do homem que se dizia marido. Se uma laranja caísse de uma encomenda e porventura estragasse, a violência começava. Cada vez pior. As marcas e os hematomas só eram percebidos por mim. O sangue que escorria em sua face lembrava-me do triste motivo que deixava de lado meu título de menina. Concluí que a sociedade era cega para nós, as mulheres.
Não era possível lutar pelos direitos. Não existiam direitos. Só era possível observar o progresso do voto feminino, logo adotado. A escravização escondida era clichê na época. A Segunda Guerra Mundial já havia acabado há doze anos. Os direitos femininos já eram reivindicados, porém timidamente. Minha mãe continuava a apanhar e, como um bônus, passou a ser violentada. Com choro constante, era possível ver em seus olhos a dor que por muito tempo não existiu. A imposição masculina no beco onde vivíamos só aumentava. A mulher ferida era o presente e a morta era o futuro. Com minha mãe não foi diferente. Era violentada dia e noite, depois submetida ao esforço físico por dezesseis horas seguidas, carregando e descarregando caixas e mercadorias. Seu corpo já não aguentava. A velhice chegou mais rápido que o imaginado. O organismo frágil estilhaçava como um cristal ao cair das mãos de uma dama. Cristal nunca lapidado. Com sua morte, as coisas só pioraram.
O corpo foi jogado no rio por aquele que a resgatara das ruas. Eu fui despejada, pois não tinha serventia e ainda reclamava de toda violência. Voltei às ruas, dessa vez mais entristecida. A morte, para mim, foi como uma pancada. O tempo passou e as marcas não sumiam. E não sumiram. Sem ter como sobreviver, tornei a implorar por comida, por dinheiro. Ser negra não era tão fácil. Pelo contrário, o preconceito era enorme. Ele já fora maior, mas era ainda bem visível, o que dificultava a liberdade feminina.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, houve uma ascendência do movimento feminista tanto dentro como fora do país. Muitas mulheres resolveram exigir seus direitos. A luta íngreme contra o preconceito racial, étnico, social e sexual era como uma terceira guerra. Muito difícil, porém vi uma chance de mudar minha vida. Com a fortificação do feminismo, a violência explícita foi diminuindo. Entretanto, para não perder o hábito, fui levada em um dos últimos tráficos “quase” escravistas. Eu acabara de ser sequestrada por um dono de fazenda que me vendeu para um sertanejo. A viagem foi longa e percebi um caminho começando a ser trilhado. Igual ao de minha mãe. Eu apanhava, era violentada e tinha que trabalhar por horas e horas na caatinga sertaneja. A forte insolação fez-me lembrar do acompanhante de minha mãe. O sol era escaldante e árduo; a cada gota de suor que pingava na terra, brotava um reinado de infelicidade. Não sabia como sobreviver às terríveis condições a que estava submetida. Caí. Senti-me cada vez mais sem serventia. Uma escrava de novos tempos a semear lágrimas de sangue e desmotivação.
Por pouco não morri no nordeste. Quem morreu foi quem me tinha comprado. Vi neste ocorrido uma possível liberdade. Cautelosa, fugi e aderi a um grupo de mulheres mais próximo, o Movimento das Ligas Camponesas no Nordeste. Por sorte, descobri nos jornais que encontrava e tentava decifrar, que estes movimentos começavam a ascender, tinham muitas participantes e entendi seus objetivos. Foi minha maior chance de clamar por justiça. Eu começara a lutar a favor do direito feminino, contra o preconceito, a violência. Com novos direitos estabelecidos foi possível reconstruir minha vida. Arrumei um emprego, que me rendeu pouco mais do que minha mãe ganhou do quitandeiro. Aos poucos foi possível conhecer pessoas, mulheres que passaram por problemas muito parecidos. E juntas, passamos a morar em uma casa antiga, pouco melhor que um barraco, mas era o que o dinheiro poderia pagar. O sol fora substituído por espaçadas sombras. O sorriso em meu rosto ficara mais visível.
O mundo mudara, mas muitos dos preconceitos étnicos raciais prevaleciam. Víamos algumas mulheres mortas, decorrente da precariedade da região onde vivíamos. A ascendência do poder militar assustava muitas pessoas. Nas proximidades de nossa moradia, os ataques a grupos feministas eram mais frequentes. Ficamos preocupadas, sem ter a quem ou a que recorrer. Os dias passavam. Era o fim de 1979 e o país tinha um novo governante, uma nova década começaria e, aos trinta e quatro anos, meu medo da violência diminuiu.
Apertada no buraco, atrás da parede falsa de meu guarda-roupa, ouvia frequentemente os tiros atravessando os outros quartos, os outros cômodos. Ouvia os gritos de dor das outras mulheres que aqui residiam. Sentia o cheiro da morte, das injustiças não combatidas totalmente. O medo ressuscitava em meu interior. As lágrimas brotavam como cachoeiras de sangue dos tantos mortos na guerra. Eu implorava pela vida.
“Ela morreu!”; “Não resistiu ao tiro, símbolo do preconceito ainda vigente em nossa nação.”.
Estas eram as manchetes em todos os jornais. O país ficou paralisado com tamanha violência e preconceito contra mulheres que, simplesmente, lutavam a favor de seus direitos. O feminismo não deixava de se fortalecer. Eu, mulher, jornalista e revolucionária, derramei inúmeras lágrimas ao resgatar, trinta e poucos anos depois, a triste e real história de mãe e filha, resquícios de um antigo jornal, para provar, perante todo o país, que a violência prevalecera.
Estamos em um novo século, os problemas na desigualdade de gênero não foram resolvidos, o número de mulheres mortas, violentadas e espancadas ainda é enorme. De que adianta dizer que a mulher é livre e que os direitos são iguais, se atualmente muitas mulheres são submissas aos homens, sendo as “donas de casa”, cuidando dos filhos e dos afazeres domésticos, antes mesmo de pensar em seu próprio trabalho. Será que chamá-las de matriarca da família lhes dá alguma impunidade? Não, pois o desrespeito continua, e matriarca tornou-se sinônimo de “dona de casa”. Ou, para alguns, um objeto sexual, usado e descartado quando convier.
Ser mulher, no Brasil, não é fácil. É preciso estar sujeita a agressões, violências e até mesmo perseguições. Deste modo foi criada uma lei, só para mulheres, para testar se o preconceito diminuía. Adiantou, mas não o cessou. Será necessária uma vingança como a da “Senhora” de José de Alencar? Ou mesmo uma mulher como Margaret Thatcher, com toda sua imponência, firmeza e certeza, uma nova Dama de Ferro? São perguntas impossíveis de responder no contexto em que vivemos. Neste país onde cada gota de sangue e choro feminino derramado, representa um rasgo em nossa bandeira, uma falha em nossa constituição, um tiro em nossa moral.
Não podemos ficar paradas, como “Amas de Leite”, alimentando a violência, desigualdade e o turismo sexual. Aderindo ou não a movimentos feministas, é necessária a luta por nossos direitos. O mundo inteiro precisa refletir, se nos tornaremos livres e iguais ou se precisaremos “atear fogo”. Teremos que fazer o sangue aveludado brotar, dos muitos malditos “barões” que ainda existem, dos que, por muito tempo nos fizeram sofrer. Ou a situação muda, ou quem nos matou precisará morrer, com a mesma facada.
Guilherme Cardoso Contini